A transformação da produção na Apicultura Brasileira
Entre leis de incentivo e o apoio de organizações civis, saiba como o aumento da produção na apicultura brasileira tem transformado a tecnologia e a história do setor.
A história e o desenvolvimento da Apicultura Brasileira
A história da apicultura brasileira, como forma de produção agrícola, tal qual a conhecemos hoje, tem início com a introdução de colônias de abelhas europeias (Apis Melíferas) no país em meados do século XIX.
O manejo das abelhas foi realizado pelo Padre Antonio José Pinto Carneiro com autorização do então Imperador Brasileiro Dom Pedro II. O decreto Nº 72 de 12 de julho de 1839 deu ao religioso o privilégio exclusivo para importar abelhas europeias e/ou africanas à corte brasileira por dez anos, sob responsabilidade de desenvolver a atividade no Rio de Janeiro, capital do Império Brasileiro na época.
As 10 colmeias importadas, que deram início ao Apiário Real ainda em 1839, transformaram-se em 200 colmeias em apenas dois anos. O registro, em primeira pessoa, do desenvolvimento da apicultura brasileira vem da tese sobre a Apis Melífera, apresentada à Escola de Medicina (atual UFRJ), em 1845, pelo pesquisador Francisco Antônio Marques.
Os dados são do livro “Dicionário de Apicultura – ABC do Apicultor”, do ex-Vice-Presidente da Confederação Brasileira de Apicultura, Pompilio Vieira de Souza, e da Dissertação de Mestrado “O Léxico da Apicultura e da Meliponicultura No Brasil: Estudos iniciais para a elaboração de um Dicionário Terminológico”, da pesquisadora Rosane Peruchi que apresenta um panorama histórico sobre o desenvolvimento da atividade no Brasil até o início dos anos dois mil.
Africanização das Abelhas Nacionais
Por mais de um século a produção de mel brasileiro não teve significativas mudanças. Segundo Pompilio de Souza, a maior parte de produção de mel restringia-se à uma cultura do meio rural, onde a maior parte da população concentrava-se.
Segundo dados da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (A.B.E.L.H.A.), até os anos de 1950, a produtividade de mel pelas abelhas melíferas europeia não ultrapassava 8 mil toneladas por ano. Uma baixa produção tanto a nível nacional quanto internacional, ocupando a 27° posição no ranking de produção mundial.
A situação mudou de rumo a partir de 1956. Influenciados pela intensificação da urbanização, do aumento populacional e visando expandir sua produção para atender a nova demanda dos consumidores, produtores de abelhas introduziram ao ecossistema enxames de abelhas originárias do continente africano.
O chamado “Período de Africanização” dos apiários brasileiros teve início com o Professor Dr. Warwick Estevan Kerr, considerado o maior especialista do mundo em genética de abelhas. Com o apoio do Ministério da Agricultura Brasileira, Kerr trouxe ao país 50 abelhas rainhas africanas (Apis Mellifera Scutellat) para estudos em seus projetos de melhoramento genético. No entanto, 28 dessas colmeias acabaram escapando do Apiário Experimental do Departamento de Biologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Rio Claro-SP.
A partir do incidente paulista, as abelhas africanas espalharam-se por todo o continente americano, como aponta a pesquisadora Roseane Peruchi: “A abelha africana acasalou-se quase que livremente na natureza com as abelhas europeias aqui já existentes e surgiu uma nova abelha, resultante da mistura dessas três subespécies (STORT, 1979). Os poliibridos africanizados espalharam-se por todo o território nacional e pela América Latina, migrando em direção aos Estados Unidos.”
Nas duas décadas seguintes, o mercado apicultor se transformou e foram criadas diversas técnicas de manejo para atender às abelhas africanizadas – com ferrões e mais agressivas do que as abelhas nativas e europeias. Os genes africanos, de fato, aumentaram a o índice de produtividade e de resistência a doenças das abelhas brasileiras.
Organização das Associações de Apicultura
No final da década de 1960, a organização e a oficialização das associações de produtores e apicultores marcam o início do processo de recuperação e crescimento da produção de mel e manejo de abelhas no país.
O principal marco desse processo de transição é a formação, em 1967, da Confederação Brasileira de Apicultura e a realização do 1º Congresso Brasileiro de Apicultura em 1970. Em um contínuo processo de desenvolvimento, entre 2000 e 2011, o país ampliou sua projeção internacional como exportador do mel natural.
Legislação e Tecnologia
Atualmente, em processo de trânsito no Senado Federal Brasileiro, o Projeto de Lei Nº 6560 de 2019 visa a instituição de uma Política Nacional de Incentivo à Produção Melífera e ao Desenvolvimento de Produtos e Serviços Apícolas e Meliponícolas de Qualidade.
Dentre as diretrizes estabelecidas no PL está o incentivo a geração e a difusão de tecnologias de produção, manejo, colheita e armazenamento que proporcionem melhorias na qualidade dos produtos e serviços apícolas e meliponícolas. Desta maneira, produtores de mel, por exemplo, terão acesso à créditos específicos para a compra de maquinários especializados como a Envasadora de Pastosos Automática em Linha com 8 bicos da Cetro, especializada em líquidos e pastosos.
Além disso, estão presentes outras políticas de incentivo à apicultura nacional como a valorização dos diferentes agentes da cadeia produtiva e a integração de políticas federais, estaduais e municipais com ações do setor privado.
Quanto ao financiamento e a aquisição de maquinários e tecnologias, o artigo 3º, inciso II, prevê especificamente o crédito rural para a produção, o manejo, o processamento e a comercialização no setor. Além de especificar a responsabilidade dos órgãos competentes quanto ao apoio e desenvolvimento do comércio interno e externo de produtos e serviços apícolas e meliponícolas.
O estímulo do desenvolvimento de produtos e tecnologias direcionados ao atendimento das demandas do mercado, assistindo às diferentes etapas do processo produtivo da apicultura, abre uma nova etapa na história do mel no país.
O compromisso do Estado na promoção de boas práticas na produção e no processamento dos produtos apícolas e meliponícolas abre espaço para que produtores tenha acesso a diferentes soluções e maquinários que atenderão toda a linha produtiva, como a Rotuladora Automática de Frascos Cilíndricos de Bancada CALM T da Cetro.
O PL 6560/2019, já aprovado pela Câmara dos Deputados durante o projeto inicial do PL 6913/2017l, atualmente está em transição no Plenário do Senado Federal, aguardando inclusão na pauta do dia, após parecer favorável e aprovação da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.
A relatora da Comissão, a Senadora Soraya Thronick (PSL-MS), elogiou a iniciativa em entrevista à Rádio Senado: “A organização da cadeia produtiva da apicultura e da meliponicultora ainda se mostra precária o Brasil devido à escassez de entrepostos e de estruturas para o beneficiamento dos produtos. E, também, por falta de assistência técnica adequada aos produtores familiares, a grande maioria de apicultores e meliponicultores nacionais.”
Segundo o projeto, os agricultores familiares, os mini, pequenos e médios produtores rurais e àqueles organizados em cooperativas ou em arranjos produtivos locais terão prioridade à linha de financiamento que serão criadas nas cadeias produtivas do mel.
A produção nacional e a importância da capacitação técnica
Em 2021, a produção de mel brasileira chegou à casa das 46 milhões de toneladas, segundo dados da Associação Brasileira dos Exportadores de Mel (ABEMEL). No entanto, o potencial de compra no mercado internacional dos produtos nacionais é estimado em 250 milhões de toneladas por ano, até 2035, segundo estudos da instituição.
O último Censo Agropecuário produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, aponta a existência 101 mil estabelecimentos agropecuários que, de alguma forma, estão envolvidos com apicultura. Além de mais de 50 mil estabelecimentos que ativamente vendem mel no país.
Segundo Daniel Cavalcanti, Doutor em Tecnologia de Alimentos pela UNICAMP, a baixa produtividade dos apicultores brasileiros não se deve ao número total de colmeias no país, mas sim, da qualidade do manejo apícola atual.
Em coluna ao portal Globo Rural, o produtor analisa os dados do Censo Agro de 2017 (IBGE) sobre a apicultura, em que se constatou que a maior parte do mel produzido no país vem de apicultores sem capacitação técnica e dedicação plena aos apiários.
O apoio de instituições de fomento e capacitação técnica e tecnológica, como o SENAR, visam sanar essa falha estrutural do setor no país. “Com poucas e efetivas ações de manejo e de boas práticas apícolas é possível melhorar a produtividade para índices próximos da Argentina e do México, o que já nos levaria aos volumes produzidos pelos três maiores produtores de mel do mundo”, afirma Cavalcanti na publicação.
Tecnologia e Exportação
Reconhecido produtor e fornecedor de mel orgânico a nível internacional, o Brasil foi o responsável por 80% do fornecimento do insumo para o mercado estadunidense em 2020, segundo dados do Departamento de Agricultura do país (USDA, 2021).
O dado reforça a possibilidade de crescimento e de expansão do setor, no entanto, é necessário que haja uma organização e estruturação sólida entre os produtores de mel brasileiros. Não só a nível individual, mas por meio de associações e apoio estatal, fortalecendo a atividade em todo o território nacional, devido à disparidade de produção de certas áreas.
Apesar de ser uma atividade consolidada no Nordeste, a apicultura ainda enfrenta problemas estruturais na região como a carência de insumos, de máquinas e de equipamentos especializados, segundo o Relatório “Mel Natural: Cenário Mundial E Situação Da Produção Na Área De Atuação Do Banco do Nordeste” (2021).
Atualmente, há uma concentração do desenvolvimento técnico no país nos segmentos mais tradicionais de produção de mel: Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Ainda assim, há um esforço contínuo do poder público e de iniciativas privadas para o desenvolvimento da atividade em outros estados como Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
Um dos grandes incentivos para o desenvolvimento da apicultura no país é a união da atividade a outras práticas rurais, como a agricultura. Segundo o coordenador de programas da Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do SENAR, Alexandre Lopes Martins, já é documentado o aumento de produtividade em culturas que dependem da polinização no país. “Em lavouras de soja e cacau, por exemplo, já foram identificados ganhos de 15% na produção ao se ter colônias de abelhas associadas à lavoura”, afirmou. Martins também destacou, em entrevista à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os baixos custos de implantação e a rentabilidade expressiva da atividade.
Segundo Heber Luiz Pereira, zootecnista e instrutor de apicultura do SENAR/MS: “O desafio de produzir um mel rentável começa com um olhar mais pragmático sobre a atividade e um desligamento da parte emocional. É preciso pensar na rentabilidade, calcular e traçar uma estratégia. Além disso, trabalhar com base no seu planejamento orçamentário e de atuação. Não existe receita ou manejo mágico.” A fala foi feita no debate “O Desafio de Produzir Mel Rentável”, promovido pelo CNA.
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